Só por hoje

Só por hoje quero ser próximo, isto é, estar atento às pessoas de quem eu decido me aproximar. Ser próximo é muito mais que estar próximo de pessoas, mas decidir dirigir-se a elas, preocupar-se com elas e estar solícito para elas. Quero ser olhar que compreende, mão que acarinha, coração que solidariza. Quero ser atitude, movimento e decisão que se dirige para quem precisa de mim. “Nos foram dadas duas pernas para andar, duas mãos para segurar, dois ouvidos para ouvir, dois olhos para ver. Mas por que só um coração? Porque o outro foi dado a alguém para nos encontrar” (Mário Quintana).

Só por hoje quero buscar três coisas: força para mudar o que é possível mudar e ser transformado em minha vida, Lucidez para aceitar o que é impossível mudar e discernimento para distinguir entre o que é possível e o que é imutável. Que este tríplice movimento me ajude e dê serenidade e firmeza, lucidez e coragem para decidir. “Porque eu só preciso de pés livres, de mãos dadas e de olhos bem abertos” (Guimarães Rosa).

Só por hoje quero aprofundar o verdadeiro sentido dos conflitos que acontecem na vida, na sociedade, na família, nos grupos e, sobretudo, compreender os conflitos que acontecem dentro de mim. Mais do que compreender, quero aprender a alimentar o que, de fato, traz vida: Um velho índio descreveu certa vez algo sobre os seus conflitos internos: “dentro de mim existem dois cachorros, um deles é cruel e mau, o outro é muito bom e dócil. Os dois estão sempre brigando...” Quando então lhe perguntaram qual dos cachorros ganharia a briga, o sábio índio parou, refletiu e respondeu: “aquele que eu alimentar”.

Só por hoje quero aprender do computador: conectar-me com pessoas de bem; usar a tecla de deletar para tudo o que não me faz feliz; decidir sublinhar o que é importante na vida; configurar tudo o que faz parte do momento presente e reconfigurar todas as lições que a vida proporcionou. “A tecnologia aproxima-nos de quem está longe e afasta-nos de quem está perto” (Michel Norsa).

Só por hoje quero olhar o espelho, olhar para mim e, sobretudo, quero aprender do espelho: ele pode facilmente ser mudado de lugar, ser deslocado, mudar de altura. Isso parece uma decisão fácil. Ele pode embaçar e ser facilmente limpo. Agora, o espelho só mudará, de verdade, se eu mudar, isto é, se eu me transformar. Hoje é possível mudar o meu espelho através da grandeza de me transformar. “Prestar demasiada atenção nos defeitos dos outros não é senão olhar-se num espelho” (Tiny Willy).

Só por hoje quero aprender de uma vela acesa. Quero compreender as lições de vida que ela pode nos ensinar. Ela vive sua vida sendo luz, aquecendo corações, iluminando situações e lentamente vai diminuindo de tamanho. Não culpa as outras velas por nada nem se considera superior. Está inteiramente presente no momento presente. Silenciosamente, ela cumpre a sua missão, sem reclamar e sem ter que aparecer. Ela nos ensina que existe maior prazer em dar que em receber. “Quer ficar calmo? Respire suavemente diante da chama leve de uma vela que faz sossegadamente seu trabalho de luz” (Bachelard).